quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sabe com quem está falando?
Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil




Roberto DaMatta, este grande estudioso dos hábitos e costumes do nosso Brasil, procura neste capitulo do seu livro, fazer uma análise do tão conhecido brado: “você sabe com quem está falando?”

A pergunta “você sabe com quem está falando?” é uma ação extrema e corrompida do famoso “jeitinho brasileiro”, e até certo ponto antipática que surge quando determinado cidadão que possui algum tipo de relacionamento com alguma figura importante, que goza de importância ou status social, seja ele político, militar, governamental ou mesmo civil (advogado, médico, etc.), se acha no direito de citar em seu favor esta sua relação ou familiaridade para ultrapassar algum obstáculo, e com essa atitude agir com violência contra a possível repressão por ele sofrida, gerando uma situação conflitante, embaraçosa e desconfortável.

Percebemos na narrativa dele, dilemas entre autoritarismo, hierarquia e violência existentes na sociedade brasileira, e a busca de um ambiente harmônico, democrático e sem conflitos. Como toda situação de embate e disputa, existe um estado de tensão entre os protagonistas que conduz a uma série de rituais e mitos dramatizando as principais alternativas para a solução do problema.

O autoritarismo e a hierarquia da nossa sociedade, segundo Roberto DaMatta, esta definido em dimensões distintas, uma delas é a existência de uma ordem formal apoiada no status e no prestígio social bem delimitado, onde todos sabem o lugar que ocupam e onde não se verifica conflitos. Já a outra consiste na existência da oposição entre o “mundo das pessoas”, socialmente reconhecidas com seus privilégios e direitos, e a esfera igualitária dos indivíduos, onde as leis impessoais são usadas como objeto de controle e submissão.

No texto existem “dois mundos” que não se misturam entre si: o mundo da casa e o mundo da rua. No mundo da casa, em geral reina a igualdade, a paz e a harmonia, em contraste como mundo da rua, onde os indivíduos brigam constantemente pela vida. No mundo da rua, as pessoas se utilizam do status das pessoas das classes dominantes para conduzirem e reduzirem os indivíduos às leis: “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”. Perante a lei todos são iguais, hierarquicamente não, pois a lei é subjetiva, eis a questão.

Ele relata diversos episódios nos quais as pessoas se favorecem do status de outras pessoas para se favorecerem, reduzirem ou colocarem no seu devido lugar certos indivíduos supostamente usurpando o direito delas. Menciona também que você “sabe com quem esta falando?” poderá ser utilizado por inferiores estruturais que se utilizam da posição de seu patrão ou comandante para inferiorizar outro indivíduo que, em comparação, seria igual.

Ao utilizar-se do artifício da célebre frase aqui discutida, o individuo que se considera agredido passa a ser o agressor, deixando de ser desconhecido e mais fraco e tornando-se mais conhecido e mais forte. Vemos que tal expressão permite passar de um estado a outro: do anonimato a uma posição de reconhecimento; de uma posição igualitária a uma posição hierarquizada, ou seja, estabelece a pessoa onde antes se encontrava um indivíduo, pois somente os indivíduos frequentam as delegacias, os tribunais, as filas nos hospitais públicos.

DaMatta relaciona a violência urbana e os meios de transportes. Na época em ele escreveu este ensaio, a figura do bandido, dono do morro ou da “comunidade” em que ela domina não estava tão definida como atualmente está, o que certamente o levaria a relacioná-lo em seu estudo, pois se alguns anos atrás a pergunta “sabe com quem está falando”, remetia à pessoas de “alto grau” de cultura e poder, hoje em dia poderá ser utilizada como forma de intimidação por parentes, amigos ou integrantes de quadrilhas de marginais ou de contraventores, que ao se aproveitarem de sua proximidade com esses chefões tentam obter privilégios pessoais sobre os outros indivíduos que compõem a nossa atual sociedade.

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