domingo, 29 de junho de 2014

O nome e a coisa: o populismo na política brasileira.





A leitura do texto “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”, do historiador Jorge Ferreira, remete-nos a um período da historiografia brasileira que se inicia no governo de Getúlio Vargas e prolonga-se por várias décadas, de uma prática que ficou conhecida vulgarmente como “populismo”.

Podemos constatar, após a leitura do texto, que a fase emergente do populismo no Brasil se localiza entre a década de 30 do século XX, estendendo-se até a década de 60 do mesmo século, momento em que se evidenciou a falência desse modelo.

O autor procura não apenas compreender o período que vai de 1930 até 1964, momento de efervescência do populismo, como também interpretar a evolução desse conceito ao longo do tempo para poder explicar a política praticada durante sua vigência.

Segundo Jorge Ferreira, o populismo é herdeiro do clientelismo presente durante a nossa Primeira República, que se perpetuou por causa das desigualdades existentes entre o Estado e a sociedade. Numa sociedade agrária como era a nossa, tornou-se tarefa fácil, sobretudo durante a ditadura de Getúlio Vargas, atrair os trabalhadores originários do campo e das pequenas comunidades rurais, quando da sua chegada às grandes cidades, a aceitarem os agrados de Vargas e a se submeterem à sua obediência política.

Como bem diz o autor, foi diagnosticado pelos intelectuais liberais e autoritários, não importando se de esquerda ou de direita, que os males do nosso país provinham de uma relação desigual, despojada de reciprocidade e interlocução, uma sociedade civil que não era capaz de se auto-organizar e de uma classe trabalhadora debilitada, a qual se impõe um Estado que, com eficazes mecanismos de persuasão e de repressão é capaz de manipular, cooptar e corromper esses mesmos trabalhadores.

Segundo a chamada “teoria da modernização”, surgida nos meios acadêmicos entre os anos de 1950 e 1960, na passagem de uma sociedade tradicional para uma moderna ocorreu um processo acelerado de urbanização e industrialização que mobilizou as “massas populares”. Intelectuais e sociólogos, que se reuniram e formaram o chamado Grupo de Itatiaia, acreditaram ser o populismo uma política de massas, um fenômeno ligado a modernização da sociedade e, principalmente, ao processo de proletarização dos trabalhadores que eram desprovidos de consciência de classe, tendendo a se comportar de acordo com seus interesses pessoais.

O autor menciona as críticas formuladas pelo sociólogo Guerreiro Ramos, integrante do Grupo de Itatiaia, que classifica com ironia o trabalhismo brasileiro como portador de “doenças infantis”. A primeira delas seria o varguismo, que segundo suas palavras, seriam de um “resíduo emocional baseado nas impressões e crenças populares na bondade intrínseca de Vargas. A segunda é o janguismo, através da qual João Goulart é o continuador da obra de Getúlio Vargas. A terceira seria o peleguismo, que na sua definição é um subproduto do varguismo e irmão siamês do janguismo.

Segundo Werneck Vianna, em substituição à força revolucionária do anarquismo da década de 10, o novo proletário da década de 30 se tornaria massa de manobra do populismo, que substitui o marxismo no movimento operário pelo nacionalismo exultante do Presidente Getúlio Vargas.

Nesse sentido, segundo Weffort, o sucesso da política de Vargas entre os trabalhadores se deve porque o êxodo rural trouxe para as cidades uma mão de obra individualista, patrimonialista e sem experiência de lutas sindicais, que faz com que esses trabalhadores vejam na pessoa do líder o projeto do Estado, entregando-se a ele, à sua direção e, em grande parte, ao seu arbítrio, acabando por serem usados como massa de manobra.

Jorge Ferreira afirma que no primeiro governo de Getúlio Vargas, em troca dos direitos sociais alcançados, os trabalhadores abriram mão dos direitos políticos, recebendo passivamente e sem críticas a doutrinação política do Estado, passando a idolatrar Vargas, a eleger outros líderes populistas e a votar no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Na passagem dos anos 70 para a década de 80, o autor afirma que a primeira versão do populismo começou a dar mostras de esgotamento em suas teorias centrais, não satisfazendo mais os estudiosos do tema.

Conforme o autor, houve uma recusa parcial das hipóteses centrais da primeira versão do populismo, visto que o texto que serviu de base anteriormente, O populismo na política brasileira, de Weffort, continuava a ser mencionado nos textos naquele período.

Sendo assim, Ferreira afirma que a “versão mais disseminada defendeu que a possibilidade da mudança provém da capacidade dos trabalhadores de alcançarem a verdadeira consciência de classe, de desvendarem as contradições sociais, de perceberem quais os seus reais interesses”.

De acordo com o autor, na primeira versão, os assalariados se beneficiavam com as políticas públicas do Estado varguista, em especial com a sua legislação social, porém na segunda versão, não mais houve essa consideração. A repressão policial e a propaganda política tornaram-se os pilares centrais para a compreensão do sucesso de Vargas entre os trabalhadores.

Entretanto, a partir dos anos 80 diversos trabalhos sobre o Estado Novo surgem, e contribuem para o melhor entendimento e compreensão daquele momento histórico e emblemático pelo qual passou o nosso país.

O autor afirma que habilmente o governo de Getúlio Vargas teria feito com que as pessoas acreditassem em crenças e valores baseados na mentira, na ilusão, na deformação ou inversão da realidade. Com o auxilio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o Estado varguista encheu a sociedade com imagens e símbolos de exaltação ao seu governo, utilizando para isso programas de rádio, filmes cinematográficos, livros, periódicos, biografias, cartilhas escolares, músicas, festas populares e comemorações cívicas, entre outras, tendo assim, o Estado populista alcançado grande sucesso, e aceito como legítimo pelos trabalhadores.

Diversos historiadores, no início da década de 1980, comparam a experiência varguista com os regimes totalitários de Hitler e Stálin. Vargas passou a ser definido como um líder totalitário. Essa teoria sociológica do totalitarismo acabou por seduzir inúmeros historiadores brasileiros, muito embora os especialistas da história do socialismo, tanto no Brasil como no exterior, recusem tal expressão, que acabou por gerar algumas polêmicas.

O populismo tem sido ressaltado como sendo uma via de mão única, imposto de cima para baixo, porém segundo Jorge Ferreira, apreender a sociedade como sendo vítima indefesa, é atribuir a culpa da falta de cidadania apenas ao Estado, o que não condiz com a realidade dos fatos.

Já quase no final do seu texto, o autor nos indaga sobre quem “inventou” o populismo. Segundo suas palavras, “populismo” e “populista” não estavam disponíveis no vocabulário político e no dia a dia do país durante o primeiro governo de Getúlio Vargas.

Ainda segundo o autor, a partir de 1945 até 1964, as palavras foram surgindo muito lentamente com o passar dos anos. Além de serem pouco utilizadas nos jornais, quando apareciam não tinham como objetivo escarnecer, desmerecer ou insultar o adversário, e quando eram pronunciadas tinham um significado diferente daquele que conhecemos nos dias de hoje. Ele menciona que nas poucas ocasiões em que Getúlio Vargas e João Goulart eram chamados de líderes “populistas”, a expressão era tida como elogiosa, não sendo considerada como ofensiva. 

Levando-se em consideração a afirmação acima, podemos acreditar que naquela época ser um líder “populista”, tanto na visão dos trabalhadores quanto na de seus adversários, não expunha e nem descrevia um político que se utilizava de recursos tais como: a demagogia, a mentira ou a manipulação para obter proveito em seu favor ou de seus correligionários.

Percebemos, pelas informações do autor, que as violentas críticas dirigidas pela imprensa a Getúlio Vargas e a João Goulart, encobriam os verdadeiros personagens que se queriam atingir: os trabalhadores e o movimento sindical.

Avançando no tempo, após tantas interpretações sobre o “populismo”, surge na década de 90 a terceira geração do populismo, que segundo Jorge Ferreira, agora foi rebatizado de “neopopulismo”, que pode ser definido como sendo a personalização e autonomia do poder executivo, conciliação de classes e ideal da Nação.

Jorge Ferreira relata-nos um episódio ocorrido no mês de agosto de 1998, no discurso pronunciado pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em uma favela no Rio de Janeiro, ele disse conhecer as dificuldades pelas quais os favelados passavam e que não adiantava prometer o que não iria fazer. Afirmou ele, na ocasião, que não dava para transformar todas as pessoas do mundo em ricos, e que nem sabia se valeria a pena, já que a vida de rico em geral era muito chata. 

Ainda segundo o autor, no final do comício, o presidente acompanhado de políticos conservadores foi almoçar no Iate Clube. Durante o almoço os presentes ouviram do presidente referências negativas a seus concorrentes, em particular a Luís Inácio Lula da Silva: “Se por alguma catástrofe, o que não vai ocorrer, se elegesse um populista, nem ele seria capaz de fazer o que diz que vai fazer, porque o povo repudiaria imediatamente”. Criticou, ainda, as pessoas que pregam soluções “facilitárias, mirabolantes, de populismo barato”. Para ele “o Brasil amadureceu: não há mais caminho do passado”. No dia seguinte, reavaliando suas declarações na favela, ele se justificou declarando: “Eu sou professor, sou pobre”. Moral da história: Populista é sempre o outro, nunca o mesmo.