A leitura do texto “O nome e
a coisa: o populismo na política brasileira”, do historiador Jorge Ferreira,
remete-nos a um período da historiografia brasileira que se inicia no governo
de Getúlio Vargas e prolonga-se por várias décadas, de uma prática que ficou
conhecida vulgarmente como “populismo”.
Podemos constatar, após a leitura do texto, que a fase
emergente do populismo no Brasil se localiza entre a década de 30 do século XX,
estendendo-se até a década de 60 do mesmo século, momento em que se evidenciou
a falência desse modelo.
O autor procura não apenas compreender o período que vai
de 1930 até 1964, momento de efervescência do populismo, como também
interpretar a evolução desse conceito ao longo do tempo para poder explicar a
política praticada durante sua vigência.
Segundo Jorge Ferreira, o populismo é herdeiro do
clientelismo presente durante a nossa Primeira República, que se perpetuou por
causa das desigualdades existentes entre o Estado e a sociedade. Numa sociedade
agrária como era a nossa, tornou-se tarefa fácil, sobretudo durante a ditadura
de Getúlio Vargas, atrair os trabalhadores originários do campo e das pequenas
comunidades rurais, quando da sua chegada às grandes cidades, a aceitarem os
agrados de Vargas e a se submeterem à sua obediência política.
Como bem diz o autor, foi diagnosticado pelos intelectuais
liberais e autoritários, não importando se de esquerda ou de direita, que os
males do nosso país provinham de uma relação desigual, despojada de
reciprocidade e interlocução, uma sociedade civil que não era capaz de se
auto-organizar e de uma classe trabalhadora debilitada, a qual se impõe um
Estado que, com eficazes mecanismos de persuasão e de repressão é capaz de
manipular, cooptar e corromper esses mesmos trabalhadores.
Segundo a chamada “teoria da modernização”, surgida nos
meios acadêmicos entre os anos de 1950 e 1960, na passagem de uma sociedade
tradicional para uma moderna ocorreu um processo acelerado de urbanização e
industrialização que mobilizou as “massas populares”. Intelectuais e sociólogos,
que se reuniram e formaram o chamado Grupo de Itatiaia, acreditaram ser o
populismo uma política de massas, um fenômeno ligado a modernização da
sociedade e, principalmente, ao processo de proletarização dos trabalhadores
que eram desprovidos de consciência de classe, tendendo a se comportar de
acordo com seus interesses pessoais.
O autor menciona as críticas formuladas pelo sociólogo
Guerreiro Ramos, integrante do Grupo de Itatiaia, que classifica com ironia o
trabalhismo brasileiro como portador de “doenças infantis”. A primeira delas seria
o varguismo, que segundo suas palavras, seriam de um “resíduo emocional baseado
nas impressões e crenças populares na bondade intrínseca de Vargas. A segunda é
o janguismo, através da qual João Goulart é o continuador da obra de Getúlio
Vargas. A terceira seria o peleguismo, que na sua definição é um subproduto do
varguismo e irmão siamês do janguismo.
Segundo Werneck Vianna, em substituição à força
revolucionária do anarquismo da década de 10, o novo proletário da década de 30
se tornaria massa de manobra do populismo, que substitui o marxismo no
movimento operário pelo nacionalismo exultante do Presidente Getúlio Vargas.
Nesse sentido, segundo Weffort, o sucesso da política de
Vargas entre os trabalhadores se deve porque o êxodo rural trouxe para as cidades
uma mão de obra individualista, patrimonialista e sem experiência de lutas
sindicais, que faz com que esses trabalhadores vejam na pessoa do líder o
projeto do Estado, entregando-se a ele, à sua direção e, em grande parte, ao
seu arbítrio, acabando por serem usados como massa de manobra.
Jorge Ferreira afirma que no primeiro governo de Getúlio
Vargas, em troca dos direitos sociais alcançados, os trabalhadores abriram mão
dos direitos políticos, recebendo passivamente e sem críticas a doutrinação
política do Estado, passando a idolatrar Vargas, a eleger outros líderes
populistas e a votar no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Na passagem dos anos 70 para a década de 80, o autor
afirma que a primeira versão do populismo começou a dar mostras de esgotamento
em suas teorias centrais, não satisfazendo mais os estudiosos do tema.
Conforme o autor, houve uma recusa parcial das hipóteses
centrais da primeira versão do populismo, visto que o texto que serviu de base
anteriormente, O populismo na política brasileira,
de Weffort, continuava a ser mencionado nos textos naquele período.
Sendo assim, Ferreira afirma que a “versão mais
disseminada defendeu que a possibilidade da mudança provém da capacidade dos
trabalhadores de alcançarem a verdadeira consciência de classe, de desvendarem
as contradições sociais, de perceberem quais os seus reais interesses”.
De acordo com o autor, na primeira
versão, os assalariados se beneficiavam com as políticas públicas do Estado
varguista, em especial com a sua legislação social, porém na segunda versão,
não mais houve essa consideração. A repressão policial e a propaganda política
tornaram-se os pilares centrais para a compreensão do sucesso de Vargas entre
os trabalhadores.
Entretanto, a partir dos anos 80
diversos trabalhos sobre o Estado Novo surgem, e contribuem para o melhor
entendimento e compreensão daquele momento histórico e emblemático pelo qual
passou o nosso país.
O autor afirma que habilmente o
governo de Getúlio Vargas teria feito com que as pessoas acreditassem em
crenças e valores baseados na mentira, na ilusão, na deformação ou inversão da
realidade. Com o auxilio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o
Estado varguista encheu a sociedade com imagens e símbolos de exaltação ao seu
governo, utilizando para isso programas de rádio, filmes cinematográficos,
livros, periódicos, biografias, cartilhas escolares, músicas, festas populares
e comemorações cívicas, entre outras, tendo assim, o Estado populista alcançado
grande sucesso, e aceito como legítimo pelos trabalhadores.
Diversos historiadores, no início da
década de 1980, comparam a experiência varguista com os regimes totalitários de
Hitler e Stálin. Vargas passou a ser definido como um líder totalitário. Essa
teoria sociológica do totalitarismo acabou por seduzir inúmeros historiadores
brasileiros, muito embora os especialistas da história do socialismo, tanto no
Brasil como no exterior, recusem tal expressão, que acabou por gerar algumas
polêmicas.
O populismo tem sido ressaltado como
sendo uma via de mão única, imposto de cima para baixo, porém segundo Jorge
Ferreira, apreender a sociedade como sendo vítima indefesa, é atribuir a culpa
da falta de cidadania apenas ao Estado, o que não condiz com a realidade dos
fatos.
Já quase no final do seu texto, o
autor nos indaga sobre quem “inventou” o populismo. Segundo suas palavras,
“populismo” e “populista” não estavam disponíveis no vocabulário político e no
dia a dia do país durante o primeiro governo de Getúlio Vargas.
Ainda segundo o autor, a partir de 1945
até 1964, as palavras foram surgindo muito lentamente com o passar dos anos.
Além de serem pouco utilizadas nos jornais, quando apareciam não tinham como
objetivo escarnecer, desmerecer ou insultar o adversário, e quando eram
pronunciadas tinham um significado diferente daquele que conhecemos nos dias de
hoje. Ele menciona que nas poucas ocasiões em que Getúlio Vargas e João Goulart
eram chamados de líderes “populistas”, a expressão era tida como elogiosa, não
sendo considerada como ofensiva.
Levando-se em consideração a
afirmação acima, podemos acreditar que naquela época ser um líder “populista”,
tanto na visão dos trabalhadores quanto na de seus adversários, não expunha e
nem descrevia um político que se utilizava de recursos tais como: a demagogia,
a mentira ou a manipulação para obter proveito em seu favor ou de seus
correligionários.
Percebemos, pelas informações do
autor, que as violentas críticas dirigidas pela imprensa a Getúlio Vargas e a João
Goulart, encobriam os verdadeiros personagens que se queriam atingir: os
trabalhadores e o movimento sindical.
Avançando no tempo, após tantas
interpretações sobre o “populismo”, surge na década de 90 a terceira geração do
populismo, que segundo Jorge Ferreira, agora foi rebatizado de “neopopulismo”,
que pode ser definido como sendo a personalização e autonomia do poder
executivo, conciliação de classes e ideal da Nação.
Jorge Ferreira relata-nos um
episódio ocorrido no mês de agosto de 1998, no discurso pronunciado pelo
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em uma favela no Rio de
Janeiro, ele disse conhecer as dificuldades pelas quais os favelados passavam e
que não adiantava prometer o que não iria fazer. Afirmou ele, na ocasião, que
não dava para transformar todas as pessoas do mundo em ricos, e que nem sabia
se valeria a pena, já que a vida de rico em geral era muito chata.
Ainda segundo o autor, no final do
comício, o presidente acompanhado de políticos conservadores foi almoçar no
Iate Clube. Durante o almoço os presentes ouviram do presidente referências
negativas a seus concorrentes, em particular a Luís Inácio Lula da Silva: “Se
por alguma catástrofe, o que não vai ocorrer, se elegesse um populista, nem ele
seria capaz de fazer o que diz que vai fazer, porque o povo repudiaria imediatamente”.
Criticou, ainda, as pessoas que pregam soluções “facilitárias, mirabolantes, de
populismo barato”. Para ele “o Brasil amadureceu: não há mais caminho do
passado”. No dia seguinte, reavaliando suas declarações na favela, ele se
justificou declarando: “Eu sou professor, sou pobre”. Moral da história: Populista
é sempre o outro, nunca o mesmo.